Yorimatã | Crítica de Marcelo Muller para o site Papo de Cinema
Há uma profunda ligação entre a natureza e a arte multifacetada da dupla Luhli e Lucina. Não à toa, as primeiras imagens de Yorimatã evocam essa cumplicidade. O cineasta Rafael Saar busca dimensionar as artistas como fenômenos espaciais, por assim dizer, ressaltando sempre que pode o valor delas para o meio, e vice-versa. Mesmo que haja suporte imprescindível dos depoimentos do agora, que dão conta de reavaliar o passado a partir de um distanciamento possível, os dispositivos que realmente importam para a beleza do filme são os fragmentos do ontem, de um tempo que deixou saudade. Demora-se intencionalmente no vislumbre dos shows iniciais e dos registros do cotidiano. A força da arte de Luhli e Lucina é desenhada na tela com uma reverência quase ritualística, necessária para que, ao menos minimamente, consigamos perceber com mais amplitude a expressividade de seus talentos.
Ao longo de Yorimatã, somos apresentados a essa trajetória marcada pela liberdade e por uma intenção irrefreável de cantar as coisas do coração com a mesma verdade com que se procura usufruir o amor. Assim como refutaram as gravadoras que tentaram de qualquer maneira colocar-lhes um cabresto, elas não ligaram para as convenções da sociedade quando se deram conta que a amizade havia virado amor. Luhli era casada com Luiz Fernando. Lucina, mais jovem, não hesitou em vivenciar com eles o relacionamento a três, numa comunidade fluminense afastada dos centros urbanos. As imagens de arquivo mostram ambas sendo mães dos filhos que ali cresciam, subsistindo do que a terra e o mar davam, aproveitando a aurora, muitas vezes, para dar vazão à criatividade, em composições que jorravam abundantes.