(Foto acima: Adelino Portino, 1976, Arquivo Setrans/RioTrilhos)
O Palácio Monroe foi demolido em 1976, por decisão do Presidente da República, Ernesto Geisel. O prédio, que abrigou durante muitos anos o Senado Federal, foi objeto do primeiro prêmio internacional recebido pela arquitetura brasileira. Era um importante marco do Rio de Janeiro, e um dos principais cartões postais da cidade na primeira metade do século XX.
Sua demolição se tornou uma grande incógnita – principalmente porque nada foi construído no local por mais de 20 anos. Com tantos motivos relevantes para a sua preservação, pra que demolir?
Esse mistério suscitou o surgimento de uma série de hipóteses, que circularam no boca a boca ao longo das últimas décadas. Aos poucos passaram para páginas de jornal, blogs, fóruns de internet.
Ao longo do processo de pesquisa do filme, investigamos todas as possibilidades e abaixo detalhamos os motivos falsos mais conhecidos que NÃO levaram à demolição do Monroe.
1. Construção do metrô
Foto: RioTrilhos/Setrans
Durante décadas, essa foi a principal hipótese que circulou entre os cariocas.
A demolição do Palácio coincidiu com o momento em que a Linha 1 do Metrô foi construída. A cidade foi toda revirada, com milhares de demolições ao longo de todo o trajeto.
Mas a galeria do metrô passou ao lado do Palácio Monroe, e todos puderam ver isso na época. Com o passar dos anos, as pessoas passaram a confundir o encadeamento temporal dos fatos: já que a construção do Metrô foi responsável por tantas demolições, também seria pela demolição do Monroe.
Nos últimos anos, em resposta a matérias de jornais, a RioTrilhos/Setrans passou a divulgar imagens (foto acima) comprovando que a demolição do prédio não se deveu à passagem do metrô.
Hoje, poucas pessoas ainda atribuem ao metrô a responsabilidade pela demolição do Monroe. Então, o que faz uma placa do Metrô no tapume do Palácio Monroe (foto abaixo)? No filme Crônica da demolição, há a resposta.
Foto: Correio da Manhã, Arquivo Nacional
2. Desavença familiar
Imagem: Gal. Ernesto Geisel, Mal. Francisco Marcellino de Souza Aguiar
O Palácio Monroe foi projetado e construído pelo Marechal Francisco Marcellino de Souza Aguiar em 1904/1906.
Diz a lenda que o General Ernesto Geisel teria uma desavença com o General Rafael de Souza Aguiar, filho do construtor do prédio. Isso porque Geisel teria sido preterido em uma promoção militar, fazendo com que Souza Aguiar subisse na hierarquia mais rapidamente. A demolição do Palácio projetado pelo pai de seu rival teria sido uma forma de retaliação.
Essa história de tons novelescos agrada a muitos ouvidos pois sugere que um presidente da Ditadura Militar se movia por motivos muito mesquinhos, mas não se sustenta nos fatos históricos.
De fato, Geisel e Souza Aguiar se formaram na mesma turma. Suas promoções hierárquicas seguem próximas, por vezes coincidindo, outras vezes Souza Aguiar “sai na frente” por alguns meses, no máximo 2 anos. No topo da carreira, eles são promovidos na mesma data a General de Exército, em 1966. Ambos receberam diversas condecorações e honrarias ao longo de toda a vida militar.
Difícil supor que um general condecorado como Ernesto Geisel, alçado ao posto de Presidente da República por indicação e reconhecimento de seus pares, tivesse tal tipo de problema de auto-estima.
Foto: Geisel passa tropas em revista, 1977, Arquivo Folhapress
Pelo contrário, havia certa proximidade entre as duas famílias. Louis de Souza Aguiar, médico, irmão de Rafael, foi um ardoroso defensor do Palácio. Fez tudo o que esteve ao seu alcance para evitar a demolição. Encomendou pareceres a diversas instituições e órgãos técnicos. E, por meio de Rafael, encaminhava-os ao General Orlando Geisel (certamente mais acessível do que o irmão Ernesto, por não ocupar o posto de Presidente da República).
O fato é que Ernesto Geisel não queria misturar essa decisão com questões de ordem pessoal e sentimental – e jamais respondeu às missivas. Isso, sim, levou a que os Souza Aguiar acabassem por se decepcionar os Geisel, conforme nos relatou o próprio Coronel Antonio de Souza Aguiar.
3. Vista para o Monumento aos Pracinhas
Imagem: Crônica da demolição, divulgação/Imagem-Tempo
Mais uma hipótese que envolve uma noção de personalismo nas decisões do presidente Ernesto Geisel. Segundo ela, o general gostaria que fosse possível ver o Monumento aos Pracinhas a partir da Cinelândia, mas o Palácio Monroe bloqueava a vista.
Há uma contradição clara aqui: o General Geisel gostaria de valorizar um monumento que honrava militares – e para isso demoliria a obra de um importante militar, que inclusive havia servido de sede ao Estado Maior das Forças Armadas.
Realmente, logo após a demolição do Palácio, era possível ver o monumento. A cerca de 650 metros de distância, no entanto, o monumento não parecia tão imponente. Hoje, com as árvores que cresceram na Cinelândia e na Praça Mahatma Gandhi, a vista se perdeu. (Ainda é possível vê-lo da avenida Rio Branco.)
O fato é que não encontramos qualquer referência a essa motivação nos jornais e documentos da época. Isso, somado a todas as contradições da própria história, nos leva a concluir que se trata apenas de um boato posterior.
4. Desafogo do tráfego
Foto: Av. Treze de Maio aberta ao tráfego, Cinelândia, s/d.
No início dos anos 1970, a avenida Treze de Maio era uma via comum de tráfego automotivo. Seu fluxo seguia atravessando a Cinelândia até chegar ao Palácio Monroe. A junção desses dois fluxos de veículos, na altura da rua Santa Luzia causava congestionamento. Portanto, a remoção do palácio para a passagem da pista sobre o lote seria uma solução para o tráfego.
É possível que seja a isso que o urbanista Lúcio Costa se refere, em seu parecer ao Iphan, intitulado “Problema mal posto”: “Pereira Passos com a sua desenvoltura demolidora teria sido o primeiro a tirar dali o aviltado pavilhão Monroe cuja presença estorvante já não se justifica. O desafogo da área se impõe.”
Foto: Via asfaltada após obras do metrô, Otávio Magalhães, 1975, O Globo
Na época, o Clube de Engenharia, a entidade que mais se ocupou de promover estudos e pareceres para evitar a demolição do prédio, propôs uma série de alternativas de engenharia de tráfego para redistribuir o fluxo de veículos, poupando o Palácio.
Como sabemos, o Palácio foi demolido, mas o lote segue intocado: nenhuma via passa sobre ele. Apesar de não proceder, não se pode negar que esse argumento se somou a tantos outros, criando o ambiente que levou à demolição.
5. Respiro urbano / Área verde
Imagem: Crônica da demolição, divulgação/Imagem-Tempo
Há também relatos de que era necessário demolir o prédio para um maior respiro urbano, criando uma área verde. É o que defendeu, por exemplo, o importante arquiteto modernista Maurício Roberto, em entrevista ao jornal O Globo (5/7/1974):
“O Rio precisa muito de áreas verdes. Isso, no Centro e num local onde já despontam as árvores e a beleza natural do velho Passeio Público, seria maravilhoso. Com toda essa poluição que afeta a cidade, só resta mesmo essa saída.”
O argumento é nitidamente falacioso, mas repercutiu na imprensa da época. Basta verificar o entorno do Palácio Monroe: temos o Passeio Público, a Praça Paris e o Aterro do Flamengo. É uma área verde com mais de duas vezes o tamanho do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Com relação à ventilação da Cinelândia, qualquer um que sai do metrô Cinelândia, na esquina do Cinema Odeon, sabe que o forte vento que sopra vem da direção da rua do Passeio. Isso sem mencionar que o Palácio ocupava o centro do lote, não bloqueando a passagem de vento como um paredão.
Como o motivo anterior, é um argumento falso. Mas ainda assim foi utilizado como alegação adicional para a demolição do prédio.
—-
Então, afinal, por que o Palácio Monroe foi demolido?
Uma série de fatores se acumularam para que, afinal, esse fosse o destino do prédio. Não existe uma resposta fácil para essa pergunta. Por isso achamos que um filme conta melhor essa história do que qualquer argumento ou texto sobre o tema.
Assista! Crônica da demolição – dia 11 de maio nos cinemas
Acompanhe as notícias do filme pela página no facebook. Por lá terá a programação semanal do circuito de cinemas. facebook.com/palaciomonroe